Até agora, os relatos têm sido dispersos e aleatórios. Porém, oftalmologistas do mundo todo começam a advertir que os casos recentes de lesões oculares causadas pela luz verde de ponteiros laser de alta potência são, provavelmente, apenas o começo.
“Estou certo de que este é o início de uma tendência”, disse o Dr. Martin Schmid, oftalmologista suíço que reportou um desses casos na publicação “The New England Journal of Medicine”, em setembro passado.
Os ponteiros, que também foram implicados num aumento de nove vezes nos casos de lasers sendo apontados a aviões, hoje são facilmente encontrados para compra pela internet, afirmam os médicos – embora sejam de 10 a 20 vezes mais poderosos que o limite legalmente estabelecido pela FDA (agência regulatória americana).
Na Associação Americana de Oftalmologistas, um porta-voz afirmou que o grupo desconhecia qualquer aumento nas lesões oculares causadas por lasers. Porém, médicos entrevistados para este artigo disseram estar chocados com a facilidade de se comprar lasers de alta potência.
Há pouco tempo, um estudante colegial foi a Robert G. Josephberg, especialista em retina do Centro Médico Westchester, em Valhalla, Nova York, reclamando de um ponto cego no olho esquerdo. O garoto, que não quis ser identificado, disse que a lesão ocorreu quando um amigo passou um ponteiro laser verde em frente ao seu rosto. Ainda não se sabe se ele ficará inteiramente curado.
Josephberg disse ter duvidado da história inicialmente. “Não acreditei que houvesse um laser verde capaz de causar os danos”, disse ele.
Mas acontece que o laser libera 50 miliwatts de energia, 10 vezes o limite da FDA. E enquanto investigava o caso de seu paciente, Josephberg entrou na internet e comprou um ponteiro laser de 100 miliwatts por US$ 28. Ele mal pôde acreditar na facilidade da compra.
“Fiquei esperando alguma mensagem de erro, dizendo que eu não poderia finalizar a compra”, disse ele.
Como as lâmpadas caseiras, os lasers são medidos em watts, mas a similaridade termina aí. Uma lâmpada incandescente de 100 watts produz aproximadamente cinco watts de luz visível; o laser de cinco miliwatts possui apenas um milésimo dessa potência. Porém, como a luz de uma lâmpada é difusa e um raio laser é concentrado, o efeito de cinco miliwatts sobre o olho é 10 mil vezes mais intenso, segundo Samuel M. Goldwasser, especialista em lasers e autor do guia online “Sam’s Laser FAQ” (Dúvidas frequentes sobre lasers, em tradução livre).
Jerald A. Bovino, da Fundação Americana da Retina, explica que a forma como o olho foca também pode intensificar o laser.
“O raio vai até a fóvea, o centro da retina”, diz ele. O pigmento mais escuro da fóvea absorve a luz como calor, elevando rapidamente a temperatura da retina – assim como o assento de um carro preto fica quente ao absorver o sol.
Limite alto demais
Kimia Ziahosseini, da unidade ocular do Hospital da Universidade Real de Liverpool, na Inglaterra, diz que os riscos são tão graves que até mesmo o limite de cinco miliwatts, da FDA, é alto demais.
“Os ponteiros laser disponíveis para venda ao público geral deveriam ter menos de um miliwatt”, diz ela. “Qualquer potência acima disso coloca as pessoas em risco pelos mal intencionados ou aqueles que desconhecem os riscos”.
Num informe aos consumidores em dezembro, a FDA disse saber que ponteiros laser ilegais estavam sendo vendidos, e advertiu que “um laser de alta potência lhe deixa menos tempo para desviar o olhar antes da ocorrência de danos, e quanto maior a potência, lesões oculares podem ocorrer num microssegundo”.
Daniel Hewett, funcionário da área de saúde na agência, disse por e-mail: “Existem muitos produtos fora de conformidade disponíveis para compra em varejistas, importadores e, é claro, pela internet”. Ele apontou que a agência havia confiscado produtos da Wicked Lasers, uma loja online situada em Hong Kong.
Sam Liu, presidente da Wicked Lasers, disse numa entrevista que seus produtos não violavam as restrições da FDA – pois os lasers acima do limite de cinco miliwatts não eram chamados de ponteiros.
Além disso, ele acrescentou, “deixamos bem claro em nossas páginas web que esses lasers representam não só riscos aos olhos, mas também de incêndios”. Ele também disse que a empresa começaria a oferecer lições de segurança do laser aos seus clientes, antes da finalização da compra.
Diversos especialistas em lasers dizem que a imposição de leis já é insuficiente e ineficiente. “É um descontrole completo”, disse Goldwasser, lembrando ter recebido recentemente um laser de 100 miliwatts da Wicked Lasers como presente. Segundo ele, controlar todos os produtos perigosos no mercado – de lojas virtuais a vendedores ambulantes – seria impossível.
E qualquer esforço para restringir a disponibilidade certamente encontrará resistência da grande comunidade de entusiastas do laser, incluindo aqueles que o usam profissionalmente (como empreiteiros e astrônomos) ou por hobby, como Alex Triano, 18 anos, morador de Staten Island.
Desde o ensino médio, com a permissão de seus pais, Triano vem construindo lasers em casa, usando óculos de segurança. “É possível aprender muito num hobby como este: eletrônica, soldas, física”, diz ele. “Aprendo sobre a luz, sobre ótica, e também muitas coisas mecânicas”.
As lesões por laser que Shepard Bryan observou em seu consultório em Mesa, no Arizona, envolviam lasers vermelhos – considerados antiquados por fãs de lasers como Triano. O verde é mais facilmente perceptível pelo olho e o feixe é visível em seu caminho.
Mas o laser verde também é mais perigoso. A cor é mais facilmente absorvida pela retina do que o vermelho, e por isso requer menos exposição para causar danos. Os casos de Bryan envolviam uma menina de 11 anos, que olhou diretamente para a luz como parte de uma competição de resistência, e um jovem que também olhou diretamente ao ponteiro.
“Por enquanto, ainda não vi uma epidemia de lesões”, afirmou Bryan. Porém, ele acrescenta que o potencial para isso está evidente. “Nas mãos de crianças, pode se tornar um problema assustador”.
Aeroportos iniciam trabalho para combater interferência de lasers nas operações
A Infraero iniciou um trabalho de levantamento e registro das ocorrências envolvendo lasers na operação de pouso e decolagem na região dos aeroportos sob sua administração. O objetivo da ação é mapear os casos dessa natureza para planejar ações que venham a prevenir interferências nas operações das aeronaves.
Os registros começaram a ser feitos em 2010, quando as áreas de Navegação Aérea, Operações e Segurança dos aeroportos começaram a receber relatos mais frequentes de pilotos que reportavam ter sido atingido por raios de laserpoints, equipamentos similares a uma caneta que emitem uma luz capaz de alcançar distâncias de até dois mil metros. Só no ano passado, nos 67 aeroportos da Rede Infraero contabilizaram 282 relatos, sendo a maioria no estado de São Paulo.
“A Infraero tem orientado seus aeroportos a fazer o registro dessas ocorrências para que a empresa possa notificar autoridades como o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e as autoridades locais, como Governos de Estado, Prefeituras e Polícias Federal, Civil e Militar, para combater esse problema”, explicou o coordenador de Segurança Operacional, Luís Xavier de Oliveira Souza.
Em outra linha de ação, a Infraero tem incentivado aos órgãos de navegação aéreas locais e regionais a realizar encontros com autoridades locais e membros da comunidade para sensibilizar a população sobre os riscos dessa brincadeira de mau gosto. Como exemplo, as reuniões que ocorreram em Vitória (ES), Campinas (SP) e João Pessoa (PB), a Infraero e os participantes têm debatido sobre as melhores formas de se combater o problema.
“A pessoa que aponta um laser para uma aeronave ignora o fato de que essa luz pode ofuscar e até mesmo cegar um piloto que está nas fases críticas da operação, no procedimento de pouso ou decolagem, o que pode colocar várias vidas em risco”, alertou Luís Xavier.